Para Michael Porter, maior especialista mundial em competitividade, o
Brasil e suas empresas só serão realmente fortes quando o governo deixar de
representar um papel desastroso para a economia
Michael Porter: “A competitividade não tem de ser um jogo de soma zero,
em que um país ganha quando o outro perde”
Boston - Nunca houve um momento
tão favorável para economias emergentes na história como o atual. O
crescimento, no entanto, pode mascarar fragilidades capazes de minar a
prosperidade desses países nos próximos anos. O alerta é do americano Michael
Porter, maior especialista em estratégia e competitividade do mundo.
Professor da Harvard Business
School e diretor do ranking de competitividade das nações do Fórum Econômico
Mundial, ele condena duramente o papel do governo brasileiro na criação de um
ambiente de negócios eficiente.
Na sala de reuniões de seu
escritório, localizado num pequeno prédio de dois andares no campus de Harvard,
em Boston, Massachusetts, ele deu a seguinte entrevista a EXAME.
EXAME - Diante da
crise persistente que abate países ricos, pode-se dizer que a definição de
competitividade mudou no mundo atual?
Michael Porter
- Competitividade é um conceito atemporal e se apoia em duas condições
básicas, no caso dos países. Em primeiro lugar, as empresas locais têm de
conseguir competir em mercados globais. Ao mesmo tempo, o padrão de vida de
seus habitantes tem de melhorar. Sem nenhuma dessas duas condições, o país não
é competitivo. E somente o ganho de produtividade permite conciliá-las.
EXAME - Por que
os países ricos perderam competitividade?
Michael Porter
- Os mercados emergentes cresceram rapidamente e os países ricos não
seguiram o mesmo ritmo de progresso. A globalização começou na década de 70 e
os países ricos se deram bem no começo porque as nações emergentes eram
ineficientes.
Ao mesmo tempo que as nações emergentes
melhoraram, os países mais ricos passaram a enfrentar o envelhecimento da
população — e o consequente aperto no orçamento, sobretudo nas áreas de saúde e
previdência. A combinação dos dois fatores é um fenômeno relativamente novo no
cenário mundial.
EXAME - Em sua
opinião, os países emergentes estão aproveitando a oportunidade?
Michael Porter
- Economias emergentes, como o Brasil e alguns países da Ásia,
beneficiaram-se de fatores como a explosão dos recursos naturais. Isso faz
parecer que um país é próspero. A verdade é que a prosperidade que se vê muitas
vezes não decorre do ganho de produtividade. Os países emergentes têm agora uma
grande oportunidade.
É mais fácil melhorar quando você é
fraco, copiando os líderes. O envelhecimento da população ainda não é um
problema crítico. Mas a prosperidade não será automática e linear nos próximos
anos. Não sei se a era de ouro vai durar mais três ou dez anos. Desafios vão
surgir. Já temos um ajuste de salários. A diferença de salários entre
trabalhadores indianos ou chineses e americanos já diminuiu.
Michael Porter
- Alguns países melhoraram fundamentos básicos, como educação, saúde e
infraestrutura. Abriram seus mercados para investidores estrangeiros e criaram
regras mais estáveis. A China, por exemplo, segue uma estratégia clara, mas que
não coincide com o interesse de seus cidadãos.
Abusa de baixos salários e da
intervenção excessiva do governo. Algumas dessas políticas funcionam no curto
prazo, mas vão custar caro com o tempo. Esse cenário não vai permitir que a
economia chinesa se torne vibrante no futuro.
EXAME - De que
maneira essa postura pode ser um problema no futuro?
Michael Porter
- Salários baixos são uma fonte temporária de competitividade. Salários
baixos não constroem países competitivos. Esses países não deveriam se
preocupar se os salários estão se tornando mais altos — eles deveriam deixá-los
subir, porque isso vai criar prosperidade.
A China distorceu elementos da
competitividade e criou um jogo de ganha-perde com o resto do mundo. Mas não
será capaz de crescer no futuro com esse modelo. Sem proteção de propriedade
intelectual, por exemplo, não existe inovação, e isso vai ser um
problema.
EXAME - Quais
são os outros fatores que podem atrapalhar o crescimento de países
emergentes?
Michael Porter
- Em países como o Brasil, o papel do governo é, francamente, um desastre.
O governo é muito burocrático. Os impostos são complexos e pesados. O Brasil
tem muitos recursos, gente inovadora. Mas o peso do setor público atrasa o
crescimento do país.
O governo conquistou estabilidade
macroeconômica, mas em termos microeconômicos não avançou muita coisa. O
Brasil terá de se transformar nos próximos 20 anos. Ou então ficará para trás.
Não é um problema para os próximos dois ou três anos. Mas será um problema
daqui a dez ou 15 anos.
EXAME - Qual é o
melhor exemplo de país que tenha superado o excesso de burocracia?
Michael Porter
- É difícil achar uma referência comparável ao Brasil, pelas suas
dimensões. A Indonésia se livrou de problemas ao simplificar o governo. A
Colômbia também fez rápido progresso no ambiente de negócios quando o governo
passou a atrapalhar menos.
Michael Porter
- Negócios bem-sucedidos são a base de uma economia próspera. A indústria
cria empregos, paga impostos e faz a economia crescer. Governos não podem criar
riqueza. Negócios criam riqueza. E a maneira correta de garantir que isso
aconteça não é com monopólio ou distorções.
EXAME - Alguns
países, inclusive o Brasil, têm recorrido a barreiras protecionistas para
frear a concorrência estrangeira. O que o senhor acha dessa
estratégia?
Michael Porter
- É algo tentador, mas quase nunca funciona. Uma vez que você começa a
fazer isso é difícil parar. E, protegidos, os negócios locais não melhoram. Um
dos casos raros em que o protecionismo resultou em melhora é o da Coreia, onde
as companhias locais promovem um ambiente competitivo suficiente para gerar
produtividade. No Japão, há evidência de maior sucesso em áreas não protegidas.
E o desempenho de setores protegidos foi um fiasco.
EXAME - A
competição global pode se tornar um jogo em que todos ganham?
Michael Porter
- A competitividade não é necessariamente um jogo de soma zero, em que um
país ganha se o outro perde. A convivência sem barreiras pode ser produtiva
para todos. Hoje, todo país precisa ter multinacionais — tanto empresas de fora
em seu território quanto empresas locais com presença internacional.
Se você entende que produtividade é
algo que define a competitividade, então você vai querer multinacionais de
classe mundial em seu território. Essa é uma razão pela qual o protecionismo é
uma ideia morta atualmente.
EXAME - Ainda
estamos distantes de uma recuperação da crise?
Michael Porter
- Vivemos a mais lenta recuperação de uma crise na história americana. Num
levantamento que fizemos na universidade, descobrimos que o declínio da
competitividade americana começou no fim dos anos 90. Ainda temos uma massa de
empreendedores fenomenal e centros tecnológicos de ponta.
É preciso, no entanto, recuperar
fundamentos como infraestrutura e educação básica. Há um grande caminho para
as empresas americanas no que se refere também ao ganho de produtividade. Uma
crise raramente decorre de forças impossíveis de conter. Quase sempre resulta
de um conjunto de decisões. É uma questão de fazer as escolhas certas.
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